Algumas coisas se perdem fácil. Um dia, jazia tranquilo o vento do Morro dos Ventos Uivantes na minha mesa. Lia-o. Não leio livros, disseco as palavras. No entanto, só o título é o tranquilo; as páginas não são o sereno. Emily consegue deixar o vento com um tocar ríspido e uma aspereza indigesta. Tenho agora medo de que ele me corte ao soprar. Somos um pouco da aspereza do vento de Brontё, ventamos, algumas vezes, sem intenção de lâmina.
Era uma edição da Martin Claret com tradução de Solange Pinheiro. Capa com campo cinzento… Convoquemos o passado.
Dentre as idas e vindas na Universidade, saí do ônibus apressado e com o telefone na mão. Estava o livro na bolsa acompanhando o celular. Ainda no ônibus, retirei o segundo e saí dele apertado no meu ouvido. Terminei. Joguei o celular no bolso… Incomodado pelo fato dos chaveiros nervosos pendurados no zíper da minha bolsa estarem balançado demais, minhas pernas fizeram o esforço leve de me levarem tranquilo.
Apartado do controle delas, estava eu longe de mim e em mergulho dócil. Senti a graça
de estar além. Voltei no pensar para a Universidade. Quando não gostei mais, retornei.
Quando tornei a mim, passei ao lado de duas crianças que me olharam. Já tinha eu me esquecido do tintilar dos chaveiros. Não cessaram. Absorto em uma transcendência difícil de ser traduzida, senti os dedos novamente. Abri o portão de casa. Minhas pernas fizeram novo favor. Meus dedos agarraram a mochila e, ao notá-la, estava aberta.
− Emily? Emily?
Sem resposta. A intranquilidade da perda. Estava depois da metade. Agora já não estava mais; terei de esperar um reler. Que me reservará as novas circunstâncias? Serei
outro até lá. O novo Morro dos Ventos Uivantes e a nova Brontё não serão os mesmos.
Dirão coisas outras para além da narração. Não será a sensação antiga. Terei, pois, outra edição. Não sei se perdi em provável queda que agora me acerta o presente do escrever; ou se foi pego… Coisa certa é que não me dei a perdê-la por completo. Repousa inerte em mente. Será agora alvo da memória. Brontё, eu ainda a tenho.
Thiago Michael